Autoestima distorcida pode criar adultos egocêntricos

Crianças educadas sem limites ou dentro da ilusão de que são melhores em tudo podem virar adultos egoístas e de egos inflados. Saiba como não criar um “reizinho” dentro de casa.

O casal Ana Paula e Moisés Yada diz estimular a autoestima dos filhos Maria Eduarda e Pedro Henrique na medida certa: "Ensinamos que tudo o que conquistamos até hoje foi com trabalho"

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Não há quem não conheça adultos egoístas e mimados, que se acham os melhores alunos, os mais competentes e inteligentes no trabalho, os mais bonitos do seu círculo de amizades, os mais merecedores de elogios e de reconhecimento imediato. São pessoas com traços egocêntricos, enquadram-se na turma “dos que se acham” e que, geralmente, foram crianças que cresceram sem que ninguém impusesse limites aos seus desejos.
Estudos mostram que pessoas assim foram crianças que desenvolveram autoestima desproporcional, muitas vezes impulsionada pelos próprios pais, que educaram os filhos como reizinhos, tratando-os como se eles fossem os mais especiais, diferenciados da turma do colégio ou do condomínio. E sem perceber, essas crianças se tornaram adultos com egos inflados, que insistem em se comportar como bebês, dificultando a sociabilização no dia a dia.
A psicóloga e escritora Marilia Castello Branco, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que o desenvolvimento saudável das crianças depende de fatores importantes. Além do cuidado materno, os filhos precisam crescer com limites, leis e regras de convivência para, quando adultos, lidarem com o outro de forma igual. Crianças precisam receber não, repartir, ceder e esperar, ou seja, exercitar-se para os relacionamentos futuros.
Para ela, jovens e adultos com ego inflado também podem esconder uma autoestima baixa. Usam o recurso com defesa, principalmente por ter sido muito mimado e ter ficado parado na fase do bebê, no centro no universo. “É difícil conviver com essas pessoas, porque esperamos atitudes adultas de pessoas adultas. É complicado conviver com quem é incapaz de fazer escolhas, não abre mão de nada, que pode tudo, burla leis ou se considera o mais inteligente ou mais bonito.”

Exemplo

Para evitar adultos egoístas, o primeiro passo deve começar em casa. Alexandre Caprio, psicólogo, diz que a família é a célula mãe de uma sociedade. Nela, a criança encontrará os primeiros conceitos sobre a vida, assim como os primeiros modelos de comportamento e relacionamento. “Se os pais não ensinam quais são esses limites, ela crescerá sem conhecê-los e sem respeitá-los”, diz.
Com dois anos, a criança já deve aprender que objetos dos outros, por exemplo, têm dono. É muito comum
presenciar cenas constrangedoras de filhos fazendo birra em super mercado ou loja de brinquedos. E educação, dada ou não pelos pais, resultará em alguma forma de aprendizagem. Para Caprio, a reação dos pais frente à birra fará com que a criança note se funciona ou não, e se deve ou não deve ser repetida para obter algo em outra ocasião.
Para o psicólogo, embora um casal tenha condições financeiras para oferecer ao seu filho ensino de qualidade superior, acesso a clubes privados e outras regalias, nada oferecerá a ele a formação ética, social e moral perdida. “Poderá se tornar um jovem presunçoso e prepotente, que se apoia no poder e nome de sua família para romper as regras que todos os demais precisam respeitar. E quanto mais fizer isso,
mais acreditará em sua superioridade.”
Quando os pais não possuem tal posição e se esforçam para dar tudo o que não tiveram ao filho, sem critério algum, os resultados são igualmente danosos. “Sem saber o valor do dinheiro, tanto ricos como pobres desperdiçam.
Um jovem que frita os pneus de seu carro em um ato de exibicionismo provavelmente não trabalhou e pagou por eles. Não conhecem a palavra não e, quando trombam com ela fora de casa, invocam o poder do pai, quando há, ou tornam-se agressivos”, afirma Caprio.
Para que um jovem não tenha um desenvolvimento egoísta, os pais precisam reproduzir, dentro de casa, os limites que eles irão encontrar durante a vida. “Um pai e uma mãe devem preparar a criança para o mundo e não para si mesmos. A superproteção não é eterna.” Para o especialista, o homem é dualista, ou seja, precisa do outro para existir e ter sua identidade. “Precisamos ensinar limites para que um filho se torne verdadeiramente ilimitado. Como dizia Renato Russo, “disciplina é liberdade”.
A psicóloga Marilia Castello Branco afirma que é possível reverter o quadro de adultos que agem como bebês. “O problema é que ele, geralmente, só busca auxílio quando sofre uma frustração muito grande. Um especialista irá conceder o melhor tratamento.” Segundo a especialista, conviver com um adulto egoísta é complexo. “É preciso paciência e não agir na mesma moeda. É indicado reagir com responsabilidade, como um adulto de verdade.”

Pais tentam impor limites aos filhos

Na prática, saber dizer sim e não nos momentos oportunos é um desafio diário para pais e educadores.
A jornalista Renata Brito Rodrigues Lucas, 29 anos, que é mãe de Rhuan, 6, e Thierry, 2, admite que não
é fácil encontrar o meio termo para a educação infantil.
Por um lado, ela enxerga os mimos de maneira positiva, pois fica longe dos pequenos na maior parte do tempo por conta do trabalho e quer curti-los ao máximo nas horas livres. Por outro, tem consciência de que os exageros podem prejudicar a formação dos filhos na vida adulta. “As crianças precisam aprender que a vida não nos permite fazer tudo o que temos vontade e é nessas questões que muitas vezes pecamos. Tentamos suprir todas as necessidades deles, mesmo quando não fazem por merecer”, diz. Apesar disso, ela tenta mostrar aos meninos que eles não são únicos e precisam respeitar o próximo para serem aceitos tanto nas brincadeiras como na vida, de modo geral. “Ensino que ser inteligente, bonito ou bom em alguma
coisa não quer dizer que eles sejam melhores do que os outros.”
A mãe dela, a pedagoga Odila Brito Rodrigues, 49, que fica com os netos todos os dias, é uma forte aliada nesse sentido. “Penso que os avós têm a função de colaborar com a educação dos pequenos e não de ‘estragá-la’. Tento seguir os limites e as regras da família, fazemos combinados e enfatizo sempre o que pode e o que não pode.”
A dona de casa Ana Paula Yada, 30, também tenta incentivar, na medida certa, a autoestima dos filhos Maria Eduarda, 8, e Pedro Henrique, 1. Ela afirma que é preciso ter foco nas qualidades e aprender com os defeitos. Ana Paula entende que as crianças são como esponjas e absorvem tudo o que vêm dos pais. Desse modo, o exemplo vale muito. “Negociamos sobre a compra de brinquedos, por exemplo.
Em casa, tudo tem a hora certa (como datas importantes) e também envolve merecimento. Ensinamos que tudo que conquistamos até hoje foi com trabalho, esforço. Eles sabem o valor real dos gastos.”
A professora Rita de Cássia Souza Neves, 31, tem uma missão ainda mais complicada. Além de cuidar
dos filhos Felipe, 5, e Diogo, 3, ela tem de lidar com cerca de 20 alunos da mesma faixa etária.
“Sabemos que impor limites é difícil, mas as pessoas têm de lidar com frustrações desde cedo. É muito comum que as crianças se comportem na escola como se estivessem em casa. Por isso, quando são contrariadas, choram ou fazem birra.”
Ela ensina que não basta proibir tudo. É preciso ter paciência para explicar os motivos daquela atitude, a fim
de que as crianças tenham uma percepção mais realista de si mesmas.




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