Justiça do Amazonas autoriza realização de primeiro casamento homoafetivo no Estado



Casal conta que já vivia junto há oito anos, e, desde então, lutava para oficializar um direito que todo cidadão tem
Casal conta que já vivia junto há oito anos e, desde então,
lutava para oficializar um direito que todo cidadão tem

O casamento foi realizado entre duas mulheres que já conviviam há oito anos .

O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) autorizou a realização do primeiro casamento civil homoafetivo do Amazonas. A decisão foi dada no último dia 13 de dezembro pelo juiz da Vara de Registros Públicos e Precatórias de Manaus, Everaldo da Silva Lira, a um casal formado por duas mulheres, que pediram para não ter a identidade divulgada.

O casamento aconteceu no último sábado, 17, no Cartório do 8º Registro Civil das Pessoas Naturais de Manaus. A novidade está sendo comemorada pelo Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT) do Amazonas, e abre o precedente para que outros casamentos civis homoafetivos ocorram no Estado.

Em seu parecer, o juiz Everaldo da Silva Lira informa que a sua decisão se embasa em aspectos legais. Segundo ele, não faria sentido jurídico reconhecer a união estável homoafetiva e não reconhecer o casamento civil homoafetivo, tomando como base decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecendo a união estável homoafetiva como condição de família conjugal em que estão preenchidos requisitos como o da publicidade, durabilidade, estabilidade e intuito de constituir família, fatores suficientes para justificar a conversão. Na decisão, o magistrado lembra que se deve entender por casamento civil a comunhão plena de vida e interesses, pautada na lealdade, fidelidade e mútua assistência, que é o que se exige de uma união heteroafetiva. “Seria arbitrária a não conversão”, afirma.

O processo também obteve parecer favorável da promotora de Justiça da Vara de Serviços Públicos Cleucy Maria de Souza. A decisão da conversão em casamento civil a união estável homoafetiva foi a primeira da região Norte. A reportagem de A CRÍTICA conversou, por telefone, com uma das recém-casadas. Segundo ela, o casamento civil encerra uma luta de, aproximadamente, quatro anos empreendida pelo casal.

“Nós já convivemos juntas há oito anos e dentro da convivência lutávamos para oficializar um direito que todo cidadão tem, mas que em vista de um preconceito hipócrita, esbarramos em diversas situações sociais que nos impediam”, afirmou Carmem* (nome fictício).

Ela explica que ambas não tinham uma vivência homossexual anterior à união. “Éramos casadas com heterossexuais, e quando nos encontramos surgiu o amor”, explica, acrescentando que, junto com a união, o casal começou a sofrer retaliações. “Tive perdas significativas, mas o amor falou mais alto. Partimos da ideia de que sabendo que a sociedade e a família sempre rejeitariam a nossa união, o correto seria oficializá-la”, diz ela.

Evangélico critica Justiça

O pastor evangélico Daniel Melo comentou ontem que as decisões judiciais que reconhecem a união estável e o casamento civil homoafetivo são lamentáveis do ponto de vista espiritual. “São decisões que não podem ser questionadas, do ponto de vista legal, mas lamentamos e esperamos que a Justiça não queira obrigar os pastores a realizar casamentos homoafetivos no religioso, uma vez que o casamento na igreja também tem efeito civil”, afirmou. O pastor observou que o que as lideranças do movimento LGBT chamam de avanço para eles não condiz com o pensamento bíblico. “Deus fez o homem e a mulher, e não o terceiro gênereo. Não tenho visão liberal sobre a Bíblia”, comentou.

Sensibilidade do Poder Judiciário

O coordenador do Fórum Amazonense LGBT, Francisco Nery, ressaltou ontem que o primeiro caso de matrimônio civil homoafetivo autorizado pela Justiça do Amazonas se torna um avanço para a Região Norte e demonstra a sensibilidade do Poder Judiciário à questão da cidadania LGBT. “Percebemos que o Poder Judiciário continua ponderando de forma a reconhecer os direitos das pessoas que compõem o segmento LGBT, ao contrário do Legislativo, que continua conservador e omisso acerca do tema”, observou.

O coordenador lembra que o Poder Legislativo tem um papel importante na formulação de políticas públicas, mas não consegue legislar para essa parcela da população, embora o Judiciário tenha registrado grandes avanços. Nery cita como exemplos de legislação emperrada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 29, que altera o artigo 29 da Constituição Federal, e prevê que a união de pessoas do mesmo sexo caracterize casamento civil.

O Projeto de Lei 122/2005, batizada de Lei Alexandre Ivo, em homenagem ao adolescente sequestrado e encontrado morto no Rio de Janeiro, é outro exemplo de legislação que não anda. “Existe hoje um grande conflito entre o Congresso Nacional e o Senado, que até ensaiou uma votação recentemente, por ocasião da II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, em Brasilia, mas de última hora a votação foi retirada da pauta a pedido dos senadores da bancada evangélica”, afirmou. A conferência ocorreu entre os dias 15 e 18 deste mês.

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